TCU aponta superfaturamento na construção de gasoduto no Espírito Santo

Sérgio Gabrielli
Sérgio Gabrielli

A força-tarefa do Ministério Público Federal e da Polícia Federal no Paraná terão uma nova frente de investigação sobre supostos desvios e irregularidades na Petrobras, com base em documentação inédita e sigilosa remetida às duas instituições. Um trecho da rede de gasodutos Gasene — uma obra bilionária que interliga Rio de Janeiro e Bahia, passando pelo Espírito Santo — foi auditado pela área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU), que apontou suspeitas de superfaturamento, dispensa ilegal de licitação, inexistência de projeto básico e pagamento sem a prestação do serviço contratado.
Numa sessão reservada no último dia 9, ministros do TCU chegaram a apontar a possibilidade de facilitação à lavagem de dinheiro por conta da complexa engenharia operacional feita pela Petrobras, que conferiu um verniz de empreendimento privado ao gasoduto.
A auditoria do TCU, com diversas deliberações por conta das supostas irregularidades, não chegou a ser votada por conta de um pedido de vista de um dos ministros. Mas o colegiado decidiu que, por conta da gravidade das suspeitas e da existência de informações relevantes para a Operação Lava-Jato, uma cópia dos relatórios sigilosos deveria ser remetida aos integrantes do MPF e da PF que cuidam das investigações sobre os desvios da estatal.
A remessa, aprovada no dia 9, deveria ser feita com urgência. Além disso, ficou determinada a abertura de um processo no TCU para acompanhar as auditorias internas da Petrobras e as próprias investigações de MPF e PF que envolvam eventuais desvios de recursos públicos do sistema Gasene. O processo, conforme a deliberação dos ministros, poderá ser convertido em tomadas de contas especiais, instrumento usado para reaver recursos desviados. Os procedimentos tramitam sob sigilo e só são apreciados em sessões fechadas.
Os documentos remetidos à força-tarefa da Lava-Jato tratam especificamente do trecho de gasoduto entre Cacimbas (ES) e Catu (BA), com 946,5 quilômetros de extensão e investimentos de R$ 3,78 bilhões. Para a execução das obras, foi constituída uma sociedade de propósito específico (SPE), intitulada Transportadora Gasene e com capital integralmente privado.
Conforme a auditoria do TCU, a Petrobras contratou uma consultoria com o Banco Santander para a estruturação financeira do projeto. Uma empresa chinesa, a Sinopec International Petroleum Service Corporation, foi contratada sem licitação para o gerenciamento da obra. O controle do projeto ficou sob a batuta da Petrobras. Em janeiro de 2012, a Transportadora Associada de Gás (TAG), uma empresa do sistema Petrobras, incorporou a Transportadora Gasene, com ativos da ordem de R$ 6,3 bilhões.
A suspeita é de que a criação da SPE objetivou evitar os procedimentos licitatórios e o controle de órgãos externos. Entre as irregularidades apontadas no relatório técnico, estão fuga à licitação nos contratos feitos; projetos básicos deficientes ou inexistentes; superfaturamento por conta de preços excessivos em relação aos praticados pelo mercado; pagamentos sem os correspondentes serviços; e execução das obras sem a dotação de recursos na Lei Orçamentária Anual de 2008.
Os técnicos também apontaram pagamento indevido na contratação da Sinopec, por R$ 266,2 milhões, para gerenciar a construção do gasoduto entre Cacimbas e Catu. Estaria havendo duplicidade de pagamentos, uma vez que a própria Petrobras estava encarregada pelo gerenciamento dos contratos, ao custo de R$ 310 milhões.
Ao longo da auditoria, a Petrobras apresentou sua defesa, mas os técnicos consideraram válido somente o argumento relacionado à duplicidade de pagamentos — a irregularidade deveria ser excluída da decisão final, conforme a sugestão do relatório. Todas as outras devem continuar válidas, pois o esclarecimento da Petrobras foi considerado insuficiente.
O processo aponta dois responsáveis a serem investigados: o então presidente da estatal, José Sérgio Gabrielli, e o então presidente da Transportadora Gasene, Antônio Carlos Pinto de Azeredo. Os técnicos sugerem que os dois sejam multados por conta das supostas irregularidades.
OBRA INCLUÍDA NO PAC
O argumento mais recorrente da petrolífera é que o capital empregado no empreendimento é privado e que a estatal não tinha qualquer sociedade na SPE. Mas os técnicos do TCU discordaram. Primeiro, porque a Petrobras ficou obrigada a saldar dívidas em caso de inadimplência em relação a empréstimos concedidos pelo BNDES. Depois, pelo fato de a Transportadora Gasene ter outorgado à estatal todos os deveres e obrigações referentes aos contratos do gasoduto entre Cacimbas e Catu, exceto a realização de pagamentos.
O TCU começou a auditar as obras porque o empreendimento foi incluído no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Além disso, o gasoduto contou com financiamentos do BNDES de até 80% do valor previsto.
A presidente da Petrobras, Graça Foster, tem 30 dias para apresentar três tipos de documentos, conforme decidido na sessão reservada do TCU do último dia 9: a composição unitária dos preços dos serviços na construção do gasoduto; os projetos básicos; e a identificação dos responsáveis — com nome, cargo e CPF — por aprovar as propostas de preços dos contratos. Os ministros também aprovaram a realização de audiências com os representantes das empresas envolvidas nas obras, como a Sinopec, a Galvão Engenharia e um consórcio integrado pela Mendes Júnior Trading, entre outros. Executivos da Galvão e da Mendes Júnior foram denunciados pelo MPF por conta do suposto envolvimento no esquema de propinas investigado na Lava-Jato. O GLOBO procurou a Petrobras no início da tarde de segunda-feira, mas não houve resposta até o fechamento da edição.
Fonte: O Globo

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