SwissLeaks: auditores estão na lista de contas secretas da Suíça

Lilian Nigri
Lilian Nigri

Na relação dos brasileiros que em 2006 e 2007 mantinham contas numeradas no HSBC da Suíça aparecem pelo menos cinco auditores fiscais, quatro da Receita Federal e uma da Receita Estadual do Rio de Janeiro.
Lilian Nigri, ex-superintendente de Fiscalização da Secretaria de Fazenda fluminense, está na lista. Há 12 anos, ela foi um dos personagens do escândalo do propinoduto, como ficou conhecido na época o esquema montado por um grupo de fiscais do Rio para extorquir grandes contribuintes.
Na segunda-feira, ao tomar conhecimento da presença de colegas nas contas numeradas do HSBC, o coordenador-geral de Pesquisa e Investigação da Receita, Gerson Schaan, que cuida do caso SwissLeaks desde fevereiro, não mostrou surpresa.
— A gente não pode esconder problemas porque eles existiram e existem, mas, daí a dizer que instituição e os fiscais são corruptos, são coisas totalmente diferentes — destacou. — Para mim, a revelação desses casos não enfraquece nem a instituição nem o cargo. Temos uma corregedoria ativa, firme e independente. E ela não precisa esperar ordem alguma para atuar.
Ter uma conta bancária na Suíça ou em qualquer outro país não é ilegal, desde que seja declarada à Receita Federal. São os auditores do órgão que têm a responsabilidade de fiscalizar o cumprimento desta obrigação.
* Participaram também da apuração desta reportagem os jornalistas Fernando Rodrigues e Bruno Lupion (do UOL)
** A investigação jornalística multinacional é comandada pelo ICIJ, sigla em inglês para Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (www.icij.org)
• Lilian Nigri
• Ernani Bertino Maciel
• João Alfredo Teixeira Lopes
• Joel Miyazaki
• José Marcos Francisco Abrahão
• Fiscais citados negam ter contas
• Entenda o que é SwissLeaks
• Acompanhe o caso
Lilian Nigri
Lilian Nigri, de 52 anos, trabalhou na Superintendência de Fiscalização do Rio de 2000 a 2002. Atuava na Inspetoria de Grande Porte, onde foi descoberto esquema de desvio ilegal de dinheiro que, em 2003, deflagrou a CPI do Propinoduto, na Alerj (Assembleia Legislativa do Estado do Rio). Ela tinha sido indicada para o cargo por Carlos Eduardo Pereira Ramos, então chefe da inspetoria. Ramos foi condenado a 17 anos e seis meses de prisão, por concussão (corrupção cometida por funcionário público), lavagem de dinheiro, evasão de divisas e sonegação fiscal.
Na lista do HSBC, Lilian aparece como dona de uma conta conjunta com sua mãe, Eliza Velmovitsky, que morreu em 2009 e era fiscal aposentada da Prefeitura de Niterói. Eliza também foi citada nas investigações sobre o propinoduto. A conta de ambas foi aberta em 30 de dezembro de 1998 e fechada em 20 de janeiro de 2003. Além disso, Lilian aparece ligada a uma conta conjunta aberta com seu marido, Felix Saad Haim Nigri. Ela existiu de 26 de março de 2001 a 16 de abril de 2003, quando foi fechada.
APOSENTADORIA CASSADA
A data de fechamento das duas contas coincide com a eclosão do escândalo. Em 13 de março de 2003, Lilian depôs à CPI e negou ter participado do esquema de cobrança de propinas e desvio de dinheiro. No depoimento, justificou seu padrão de vida dizendo ser uma pessoa de família rica e casada com um homem rico.
Na época, Lilian foi investigada pela polícia suíça e pela Alerj, que, em maio de 2003, pediu seu indiciamento. Segundo o relatório final da comissão, ela entrava em contato com as empresas e pedia que elas enviassem o dinheiro dos fiscais à Suíça. Em janeiro de 2004, a Justiça Federal determinou a quebra do sigilo fiscal e bancário dela e de outras nove pessoas acusadas de envolvimento no esquema de envio ilegal de dinheiro para o exterior.
Ernani Bertino Maciel
Outro fiscal que aparece na lista é o auditor aposentado Ernani Bertino Maciel, que foi alvo da operação Persona, da Polícia Federal, em 2007. As investigações apontavam para um esquema de sonegação fiscal que teria beneficiado a multinacional Cisco Systems. Maciel chegou a ficar preso por 40 dias, mas recorre em liberdade das acusações na área criminal. Ele também responde a duas ações cíveis por improbidade administrativa. Numa delas, foi condenado em 2013 ao pagamento de multa de mais de R$ 500 mil por suposto enriquecimento ilícito nos anos de 2001, 2003 e 2005.
Nos arquivos vazados do HSBC, não há muitos detalhes sobre a conta de Maciel, como data de abertura ou valores. Há, no entanto, duas pessoas de mesmo sobrenome relacionadas a ele — Gloria e Marta —, além de uma empresa com sede em Liechtenstein, a Amazon Tours Foundation.
João Alfredo Teixeira Lopes
Outro auditor que aparece na lista do HSBC é João Alfredo Teixeira Lopes, que teve a aposentadoria cassada em março de 2012 pela prática de ato de improbidade apurada em processo administrativo disciplinar. A Receita comprovou que o ex-servidor teve um acréscimo patrimonial significativo, incompatível com sua fonte de renda, sem conseguir se justificar. A evolução patrimonial ocorreu entre 2001 e 2005. De acordo com a Receita, os valores sem justificativa representavam uma vez e meia ou o dobro do que o servidor aposentado recebia por ano na condição de auditor fiscal.
Segundo registros do banco suíço, João Alfredo tinha, em 2006/2007, duas contas, ambas abertas em novembro de 1998. Uma delas continuava ativa, com um saldo de US$ 938 mil. A outra havia sido fechada em abril de 2005.
Joel Miyazaki
O ex-delegado da Receita em Brasília Joel Miyazaki é mais um nome na lista. Ele consta como administrador e morador de São Paulo. De acordo com as planilhas do HSBC, a conta foi aberta em 23 de junho de 1989 e encerrada em 5 de junho de 1991.
Até 2013, Miyazaki aparecia no noticiário de Brasília realizando operações para combater a sonegação. Numa delas, em março de 2010, Miyazaki anunciou que a Receita cruzaria declarações de IR com o pagamento de IPTU e IPVA para mapear fraudes. Meses mais tarde, em 2011, ele liderou a Operação Risco Calculado, para combater mais um esquema de fraudes nas declarações de Imposto de Renda. Na época, disse que a fraude envolveria cerca de 1,2 mil pessoas e que o prejuízo aos cofres públicos rondava R$ 30 milhões. Em entrevistas, explicou: “São pessoas físicas com bom poder aquisitivo e conhecimento contábil. A maioria são servidores públicos federais e do Distrito Federal”.
José Marcos Francisco Abrahão
O quinto auditor identificado entre os correntistas sigilosos do HSBC é José Marcos Francisco Abrahão. Nas planilhas, ele surge como empresário e compartilha uma conta numerada com a analista de sistemas Conceição Aparecida Paciulli Abrahão, hoje sua ex-mulher. A conta havia sido aberta em 23 de junho de 1998, no mesmo dia da de Miyazaki. Em 2006/2007, ele tinha R$ 307 mil depositados em seu nome.
Segundo o Diário Oficial da União, Abrahão foi auditor fiscal da Receita e quadro permanente do Ministério da Fazenda em São Paulo. Em janeiro de 2010, aposentou-se por invalidez como servidor de “classe S, padrão IV”. Isso significa que ele tinha um salário de aproximadamente R$ 20mil por mês. Conceição Aparecida, hoje ex-mulher, aparece no noticiário recente investigada por fraudes em licitação.
Fiscais citados negam ter contas
Nenhum representante dos auditores citados na lista do HSBC encontrados admitiu a existência das contas no banco suíço.
O advogado Vitor Tédde, que defende Ernani Bertino Maciel em duas ações cíveis na Justiça Federal de São Paulo, afirmou que seu cliente nunca fez qualquer referência a recursos aplicados no país europeu. Em relação às acusações de improbidade administrativa a que Maciel responde, o advogado afirmou que num dos processos, na 12ª Vara Federal, conseguiu ganho parcial de causa. O auditor, porém, continua com sua aposentadoria e seus direitos políticos suspensos. Por outra ação, na 1ª Vara, foi aplicada multa de cerca de R$ 500 mil, ainda em fase de recurso, pelo suposto enriquecimento ilícito. O processo criminal, decorrente da Operação Persona da PF, também continua em andamento.
A reportagem ligou para a casa de Lilian Negri e Félix Saad Haim Nigri, no Rio, e deixou recado. Também entrou em contato com a empresa onde Félix trabalha. Não houve resposta até a conclusão desta edição. Eliza Velmovitsky, mãe de Lilian, morreu em 2009.
Os advogados de João Alfredo Lopes Teixeira informaram que o cliente desconhece a existência de contas na Suíça. Ontem, O GLOBO tentou localizar Joel Miyazaki, ligando para a delegacia da Receita Federal em Brasília. Lá informaram que ele deixou o órgão há mais de dois anos e que não dispunham de seu número. Foram deixados recador por meio de uma rede social e com parentes, mas não houve retorno. Rodolfo Kokol, advogado de Aparecida Conceição, ex-mulher de José Marcos Abrahão, ressaltou que sua cliente nunca participou de qualquer ato ilícito:
— Não temos os dados oficiais. Todas as informações que temos até agora vieram da imprensa. Sabemos que não há nenhum procedimento aberto contra ela. Mas é fato que minha cliente não participa nem participou de operações ilegais ou clandestinas, com grupos políticos ou com licitações ou empresas que participam de licitações — afirmou ela.
José Marcos não foi localizado para comentar as acusações contra ele e a citação na lista de correntistas do HSBC suíço.
Para tentar localizar e dar espaço de defesa aos fiscais citados, O GLOBO procurou o Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco) e Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip).
O Sindifisco informou que não comentaria o caso por considerar que ele não diz respeito ao sindicato, mas à Receita Federal. Também se recusou a localizar os fiscais citados. A Anfip, por sua vez, disse que o cadastro de associados é sigiloso e que não pode confirmar se os citados são ou não membros da entidade. A diretora também não comentou o assunto.
Entenda o que é SwissLeaks
“A série de reportagens SwissLeaks começou a ser publicada em escala mundial em 8 de fevereiro. Trata de um conjunto de dados vazados em 2008 de uma agência do ‘private bank’ do HSBC, em Genebra, na Suíça. O acervo contém informações sobre 106 mil clientes de 203 países e saldo superior a US$ 100 bilhões”.
“A investigação jornalística multinacional é comandada pelo ICIJ, sigla em inglês para Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (www.icij.org), em parceria com o jornal francês “Le Monde”, que obteve os dados do HSBC em primeira mão. No Brasil, a investigação é coordenada pelo jornalista Fernando Rodrigues, membro do ICIJ, que publica as reportagens em seu Blog, hospedado no portal de notícias UOL. O ‘Globo’ passou a integrar a equipe de apuração em março”.
“O ICIJ é uma entidade sem fins lucrativos e que promove a colaboração entre jornalistas de vários países. Na apuração do SwissLeaks, trabalham 163 jornalistas de 51 países e 63 veículos diferentes”.
“O ICIJ e todos os veículos jornalísticos associados nesta apuração não publicam a relação completa de nomes dos correntistas no HSBC da Suíça. Só são divulgados os casos em que há claro interesse público”.
Fonte: O Globo

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