Juros da habitação são o próximo alvo do governo

Habitação

Após mexer na remuneração da caderneta de poupança para permitir a queda da taxa básica de juros (Selic), o governo quer agora reduzir os custos dos empréstimos habitacionais. Como cerca de 70% dos recursos que financiam a casa própria vêm da poupança — que passará a ter uma correção mais baixa quando a Selic chegar a 8,5% ao ano — a equipe econômica espera que os bancos repassem essa queda aos mutuários. Para isso, quer estimular a concorrência entre bancos, facilitando a transferência do financiamento de uma instituição para outra que oferecer melhores taxas, a chamada portabilidade.

Para o governo, uma vez que o retorno pago aos poupadores será menor, os bancos terão margem para cobrar menos nos novos financiamentos. Mas existe um problema nos contratos habitacionais antigos, fechados com taxas mais altas. A legislação brasileira já permite que os clientes de um banco migrem seu contrato habitacional para outra instituição que lhe ofereça condições melhores. Mas há tantos obstáculos que essas operações são raras. Com custos cartoriais e taxas, o mutuário pode ter de desembolsar mais de R$ 20 mil para migrar seu empréstimo para outro banco. Além disso, não há interesse dos bancos em divulgar essa alternativa. As instituições seguem procedimentos distintos, há documentos diferentes, e os bancos não dão publicidade a taxas e tarifas cobradas em todo o processo.

Equipe estuda criar ranking de taxas

Por isso, uma série de medidas estão sendo estudadas pela equipe econômica para facilitar a transferência dos contratos habitacionais. Uma delas é a criação de um ranking de juros e de tarifas que permita aos clientes monitorarem constantemente onde buscar melhores condições para seu financiamento. Por outro lado, cogita-se permitir a cobrança de algum pedágio de quem quiser migrar seu contrato de instituição no início do prazo, quando o banco ainda não amortizou o custo da operação.

Os técnicos do governo reconhecem que algum encargo terá que ser repassado aos clientes, uma vez que os empréstimos antigos foram concedidos com recursos captados a um custo maior. Esse pedágio poderia acabar com cobranças de taxas que hoje servem para desestimular a migração.

Apesar dos estímulos, o governo sabe que esse processo de migração é gradual e limitado, porque os bancos em geral não vão querer repassar a queda nos juros imediatamente aos clientes, como forma de se protegerem do descasamento entre as taxas. Ou seja, se os juros caírem para 8% ao ano no curto prazo, cai o custo de captação dos bancos para emprestar aos clientes. Mas, se as taxas subirem no futuro, esse custo aumenta. E os contratos habitacionais são de longo prazo.

— Portabilidade é algo bom e normal. Mas se você tiver demais, pode desequilibrar o sistema. Não é tão simples assim. Vamos estudar isso com cautela — disse um técnico.

Para o economista Bernard Appy, ex-secretário-executivo do Ministério da Fazenda e atual diretor da LCA Consultoria, o descasamento entre a caderneta e o crédito imobiliário já está acontecendo, porque o governo criou duas regras para a poupança — separando a velha da nova — mas manteve inalteradas as regras dos financiamentos habitacionais. Ou seja, parte do dinheiro que vai financiar a habitação terá um custo mais alto e outra parte, um custo mais baixo.

— Existe este descasamento, e os bancos vão querer fazer um hedge (lastro). Eles captam no curto prazo para emprestar no longo prazo. Daí a diferença — diz o ex-diretor do Banco Central Carlos Thadeu de Freitas Gomes.

Caixa: mais recursos para financiamento

Dependendo da evolução do estoque da antiga poupança (se cair mais rápido do que os financiamentos antigos, que levam em média 15 anos para acabar), os bancos terão lucro, cenário mais provável, explicou Appy. Caso contrário, poderão ter prejuízos. Esse descasamento não existiria, destacou, se as novas regras valessem para todos os depósitos (velhos e novos).

Para Carlos Thadeu, sem mudanças importantes não há como acabar com a inércia deste processo:

— Não é como a portabilidade de um celular, que pode ser feita pelo telefone mesmo. Os clientes precisam ter acesso a todas as informações para mudar do seu banco (para outro).

Se a Selic continuar em queda, a médio prazo, o crédito para financiamentos de habitação poderá ter impactos positivos, disse ontem o presidente da Caixa, Jorge Hereda, em entrevista após a abertura do 8 Feirão da Caixa, no Riocentro. Segundo ele, a redução da Selic acabará tornando a aplicação de recursos próprios do banco em crédito para compra de imóveis tão vantajosa quanto em títulos públicos.

— Com a Selic caindo a 7,5%, 7%, poderemos viver uma situação inédita no Brasil, que é a de ter que colocar recursos de tesouraria no financiamento habitacional. Vamos ter o mesmo comportamento que no resto no mundo. Só aqui não se financia habitação com recursos próprios. O ambiente de juros altos faz com que não compense — explicou.

Hereda crê que, a médio prazo, a obrigatoriedade de uso de 65% dos recursos da poupança no financiamento da habitação pode se tornar desnecessária. No caso da Caixa, diz ele, isso implicaria em aumento da oferta de crédito para casa própria.

Com expectativa de alcançar até R$ 18 bilhões em negócios, valor 20% superior ao do ano passado, o 8 Feirão da Casa Própria oferecerá 430 mil imóveis em 13 cidades. Na cerimônia de abertura, no Riocentro, Hereda disse que o resultado será impulsionado pelo pacote de redução de juros. A superintendente da Caixa no Rio, Nelma Souza Tavares, diz que serão negociados cerca de 46 mil imóveis, sendo 29 mil na planta, quatro mil novos prontos e 13 mil usados. O Feirão vai funcionar hoje das 10h às 21h, e no domingo, das 10h às 18h.

Fonte: O Globo

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