Empresa Bunge é multada e flagrada em crime ambiental

Porto de Barcarena
Porto de Barcarena

O juiz de direito titular, Dr. Elder Lisboa Ferreira da Costa, respondendo pela 2ª Vara de Fazenda da Capital, determinou a IMEDIATA PROIBIÇÃO às corrés BUNGE ALIMENTOS S.A. e AMAGGI EXPORTAÇÃO E IMPORTAÇÃO LTDA., e a seus empregados e à joint venture UNITAPAJÓS, de utilizarem para atracação as margens de rios, praias, aningais, barrancos e matas ciliares, sendo elas compelidas a se absterem de quaisquer atos nesse sentido, ficando, doravante, somente autorizadas a atracarem no porto para o qual possuem licença, qual seja o de BARCARENA, sob pena de multa diária arbitrada em R$100.000,00 (cem mil reais), a cada uma e às pessoas de seus executivos, para a hipótese de descumprimento, até o limite de R$5.000.000,00 (cinco milhões de reais).
A Ação Civil Pública foi movida pela Associação Mista de Moradores do Assentamento Jesus de Nazaré e
Associação de Moradores da Fazendinha. A decisão do Juiz data do dia 22 de junho de 2015.
Veja a íntegra da Ação e a decisão do Juiz:

DECISÃO-MANDADO
2ª e 19ª ÁREAS
Cuida-se de Ação Civil Pública com Pedido Liminar proposta pela Associação Mista de Moradores do Assentamento Jesus de Nazaré e Associação de Moradores da Fazendinha em face de Estado do Pará, Bunge Alimentos S.A. e Amaggi Exportação e Importação Ltda., aduzindo, em síntese, o que segue:
As associações autoras, ao trazerem notícias de cunho jornalístico extraídas de sítio eletrônico da Internet, informam acerca do estabelecimento de uma joint venture do ramo de navegação fluvial criada pela multinacional americana Bunge e a empresa nacional Amaggi – ambas aqui demandadas -, de nome Navegações Unidas Tapajós Ltda. (Unitapajós), com a finalidade de efetuar o escoamento de grãos do Mato Grosso até a cidade de Santarém, no Pará, por meio da Hidrovia Tapajós-Amazonas, com o uso de 90 barcaças e 5 empurradores para o transporte.
Alegam as requerentes que as empresas corrés teriam criado um simulacro, tendo contratado a utilização dos serviços da empresa RIO TURIA SERVIÇOS LOGÍSTICOS LTDA, cujo nome-fantasia é TERFRON, situada na cidade de Barcarena (PA), a qual é proprietária dos portos de Barcarena e de Miritituba (em Itaituba – PA), havendo sido licenciados apenas para atracar e desatracar em tais pontos com o fim exclusivo de CARREGAR e DESCARREGAR, conforme faz prova com cópia integral de todo o Relatório de Impacto Ambiental desse empreendimento (Anexo I dos autos), o que significaria que tal empresa não possuiria porto para ESTACIONAMENTO das barcaças.
As barcaças, contam as demandantes, estariam estacionadas na região onde vivem as comunidades aqui envolvidas, em área bem distante da que foi efetivamente licenciada para a atividade. Acrescentam que o Terminal Portuário da TERFRON não teria capacidade (consoante Anexo II), para atender à grande demanda das rés e que, diante de tal dificuldade, as atividades de operação com tal quantidade de embarcações estaria ocorrendo em patente fraude ao licenciamento ambiental e que a estaria havendo impacto ambiental significativo às matas ciliares e aos barrancos das margens de local chamado Furo do Arrozal – onde vivem e de que depende a sobrevivência de várias comunidades, dentre elas, as duas autoras -, com repercussão direta no ecossistema local. Noticiam ainda que, recentemente, uma das barcaças carregadas de soja já apodrecida teria ficado estacionada por mais de duas semanas nesse local, produzindo grande quantidade de metano, supostamente ocasionando a morte por asfixia de, pelo menos, três pessoas.
Por todo o contexto fático narrado, requerem, em sede liminar: 1) que seja determinado ao réu Estado do Pará que cumpra suas obrigações constitucionais e legais, com o envio de agentes públicos dos setores de Meio Ambiente e de Polícia (militar e civil), para autuarem a joint venture, apreenderem seus bens, embargarem áreas de que se utilizam, prenderem em flagrante empregados seus ou das empresas requeridas e interditarem as atividades supostamente criminosas que estariam ali ocorrendo; 2) que seja concedida a tutela inibitória, sendo determinado às corrés Bunge Alimentos e Amaggi Exportação e Importação, incluindo-se as pessoas de seus empregados ou da empresa Unitapajós, para que passem a atracar somente no porto licenciado, e não mais nas margens de rios, praias, aningais, barrancos e matas ciliares; 3) a suspensão de incentivos e/ou benefícios fiscais concedidos pelo Poder Público às rés, restrito às atividades em tela, até a sua efetiva regularização da diante das exigências socioambientais, pelo que requer seja oficiado à Receita Federal do Brasil, à Secretaria de Estado da Fazenda do Pará e ao Município de Barcarena; e 4) a produção de prova preliminar in loco, por meio de oficial de justiça que venha a relatar os fatos então narrados.
No mérito, pugnam pela total procedência do pedido eventualmente realizado em sede antecipatória, sendo declarada a ilegalidade das condutas das empresas corrés e a omissão do Estado do Pará e sendo condenadas as empresas a recomporem margens de rios, praias, aningais, barrancos e matas ciliares, para que essas retornem a seu estado anterior, ou, na impossibilidade de fazê-lo, que o sejam obrigadas a executar as medidas mitigatórias e compensatórias correspondentes, nos termos das Leis 6.938/81 e 9.605/99. Juntaram docs. às fls. 12/191.
Em decisum de fl. 204, este Juízo acolheu pedido de aditamento à inicial, que resultou no ingresso da Associação de Moradores da Fazendinha no polo ativo da demanda, sendo determinada a intimação do Estado do Pará para se manifestar.
Houve nova juntada de docs. às fls. 207/246, pela parte autora. O Estado do Pará apresentou contestação às fls. 247/250, alegando sua não omissão quanto à fiscalização das atividades em apreço, tendo sido o licenciamento ambiental às empresas deferido de acordo com a lei, não havendo amparo para a suspensão de quaisquer benefícios fiscais ou creditícios outrora concedidos às corrés. Juntou docs. às fls. 251/267.
A empresa Navegações Unidas Tapajós Ltda. – Unitapajós compareceu espontaneamente aos autos, às fls. 268/271, com o fito de demonstrar sua legitimidade passiva e, consequentemente, pedir sua inclusão no polo passivo da demanda.
Informa ser transportadora de cargas por meio de navegação fluvial, consoante contrato social que acosta aos presentes autos, e que, de fato se trata de joint venture (associação de empresas para empreendimentos conjuntos) composta pelo capital das empresas ora demandadas, com reconhecida função econômica na Região Amazônica, sendo licenciada para operar pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ, e que, no que tange à utilização da área do Furo do Arrozal, estaria autorizada para abarrancamento do fundeio pela Marinha do Brasil até dia 22.06.2015, já tendo protocolado, em 18.06.2015, pedido para autorização definitiva do espelho d’água para fundeio das barcaças na área aqui envolvida.
Destaca, por fim, que, em relação ao episódio de derramamento de grãos no rio que teriam apodrecido, toda a soja teria sido descartada pela empresa de destinação de resíduos Transcidade Serviços Ambientais – Eireli, refutando ainda que as mortes ao norte relatadas tenham sido fruto do derramamento de soja em apreço. Juntou docs. às fls. 272/291.
Vieram-me os autos conclusos.
É a síntese do necessário.
Primeiramente, ACOLHO O PEDIDO DE INGRESSO da empresa NAVEGAÇÕES UNIDAS TAPAJÓS LTDA. – UNITAPAJÓS na demanda, no polo passivo, em caráter de litisconsórcio, em razão de ser parte interessada e de poder ser imediatamente afetada no fornecimento de seus serviços, em caso de eventual acolhimento dos pedidos.
PASSO A EXAMINAR o pedido liminar.
A concessão de medida liminar reclama a presença do relevante fundamento do pedido (fumus boni juris) e do perigo de ineficácia da medida (periculum in mora), caso persista o ato impugnado. Embora concedida, a medida liminar não é antecipação dos efeitos da sentença final. Trata-se, na espécie, de medida acauteladora de possível direito do requerente. Sua concessão somente se autoriza se a relevância dos fundamentos estiver comprovando sua necessidade e se a eficácia da medida, se concedida somente ao final, vier a aniquilar o direito da demandante.
Em Ação Civil Pública, a concessão de liminar encontra respaldo no art. 12, da Lei Federal nº 7.347/1985. Assim, sempre que houver risco de lesão grave à saúde ou ao meio ambiente, bem como para proteger direitos difusos dos consumidores, um juiz pode conceder a medida de urgência. Sobre o tema, José dos Santos Carvalho Filho, em sua obra Manual de Direito Administrativo, p. 108/109, assim doutrina:
A lei admite dois tipos de tutela dos interesses coletivos e difusos: a tutela repressiva e a tutela preventiva. A primeira ocorre quando o agente já consumou a conduta ofensiva aos citados interesses. Nesse caso, a ação terá a finalidade de obter providência judicial que imponha ao agente que não mais conduza dessa forma e que, se for o caso, seja obrigado a reparar o dano causado. (Grifos meus).
Nessa toada, permite-se ao magistrado conceder medida interlocutória em favor dos demandantes ante ao relevante fundamento do pedido e ao perigo de ineficácia da medida caso subsista o ato impugnado até o julgamento definitivo da lide, em se tratando de procedência.
É o que observa Cássio Scarpinella Bueno:
[…] o pedido de liminar deve ter como base um altíssimo grau de probabilidade de que a versão dos fatos, tal qual narrada e comprovada pelo impetrante, não será desmentida pelas informações da autoridade coatora. […] Daí que, para fins de mandado de segurança, são necessários o exame e a aferição da alta probabilidade de ganho da causa pelo impetrante a partir das alegações e do conjunto probatório já trazido com a inicial.
Nesse contexto, em uma análise perfunctória do caso em comento, é possível vislumbrar a existência dos requisitos autorizadores para a antecipação parcial da tutela pleiteada (art. 273, do CPC), eis que existem nos autos elementos comprovando os argumentos aqui sustentados pelas associações requerentes, no que tange ao pedido inibitório.
Trata-se de situação em que as comunidades que habitam as áreas às margens da Baía do Marajó e do Furo do Arrozal têm sido afetadas de maneira deletéria, inclusive, em seus próprios meios de subsistência, na medida em que as matas ciliares, da qual dependem para seu sustento, têm sido arrancadas por efeito da força mecânica do peso das barcaças puxadas pelas marés e dos barrancos onde há locais de reprodução dos peixes destruídos em virtude da atracação indiscriminada efetuada pela empresa Unitapajós, consoante narram os autores.
Há, obviamente, necessidade premente de apuração dos fatos e do nexo de causalidade entre a conduta dos requeridos e os danos ambientais sofridos, os quais impactam diretamente na vida dos ribeirinhos, porém requer ainda maior urgência que este Juízo aja no sentido de obstar a ocorrência de ainda mais prejuízos, por meio da concessão da tutela inibitória em apreço, o que, de per si, evidencia o periculum in mora.
Configurada, também, está a fumaça do bom direito, visto que há flagrante violação da legislação constitucional e infraconstitucional por parte dos requeridos, os quais não adotaram os procedimentos necessários para a garantia de um meio ambiente são e equilibrado. Diferente situação se verifica quanto aos demais pedidos feitos em sede preambular.
Observo que a razão assiste ao Estado do Pará, ora demandado, pelo menos, quanto à não concessão dos pedidos em sede de tutela antecipada, para que: 1) autue as empresas corrés por meio de seus agentes públicos, efetuando prisões e/ou interditando os estabelecimentos; e 2) suspenda incentivos e/ou benefícios fiscais eventualmente concedidos pelo Poder Público às empresas corrés. Não há amparo legal, nem conjunto fático-probatório suficiente para que tais pedidos sejam deferidos sem a oitiva das litisconsortes passivas, o que este juízo fará quando das suas intervenções.
Quanto à produção de prova preliminar in loco, por meio de oficial de justiça, deixo para apreciar mais adiante tal pedido, no momento da fase instrutória da ação, após a devida manifestação dos requeridos.
Desse modo, a prova inequívoca quanto ao direito invocado, que deve ser de pronto demonstrada, não restou evidenciada quanto a todos os pedidos arrolados às fls. 09/10, nesta fase de sumária análise da argumentação e comprovação, razão pela qual restrinjo o acolhimento do pedido unicamente à concessão da tutela inibitória in casu, porquanto aguardar o provimento jurisdicional final, no presente caso, poderia implicar mais prejuízos irreparáveis ao meio ambiente, à saúde e à vida da população ribeirinha imediatamente atingida.
Nesses termos, é que se depreende assistir razão aos argumentos das autoras, quanto à tutela inibitória, deixando transparecer os requisitos que ensejam a concessão da liminar em ação civil pública.
EX POSITIS, presente os requisitos legais, CONCEDO PARCIALMENTE A LIMINAR pleiteada, INAUDITA ALTERA PARS, determinando a IMEDIATA PROIBIÇÃO às corrés BUNGE ALIMENTOS S.A. e AMAGGI EXPORTAÇÃO E IMPORTAÇÃO LTDA., e a seus empregados e à joint venture UNITAPAJÓS, de utilizarem para atracação as margens de rios, praias, aningais, barrancos e matas ciliares, sendo elas compelidas a se absterem de quaisquer atos nesse sentido, ficando, doravante, somente autorizadas a atracarem no porto para o qual possuem licença, qual seja o de BARCARENA, sob pena de multa diária arbitrada em R$100.000,00 (cem mil reais), a cada uma e às pessoas de seus executivos, para a hipótese de descumprimento, até o limite de R$5.000.000,00 (cinco milhões de reais).
INTIMEM-SE os requeridos, inclusive, a empresa UNITAPAJÓS, para que CUMPRAM A DECISÃO DEFERIDA, CITANDO-AS para, querendo, contestar a ação, no prazo de 15 (quinze) dias (CPC, art. 297), sob as penas da lei (CPC, art. 319), com a ressalva do art. 188, do CPC, quanto ao Estado do Pará, ora demandado.
Os mandados às empresas corrés BUNGE ALIMENTOS S.A. (com sede situada em Gaspar – SC) e AMAGGI EXPORTAÇÃO E IMPORTAÇÃO LTDA (com sede situada em Cuiabá – MT) deverão ser cumpridos por carta com Aviso de Recebimento (A.R.).
Servirá a presente decisão, por cópia digitalizada, como MANDADO DE INTIMAÇÃO E CITAÇÃO, nos termos do Prov. Nº 03/2009 da CJRMB – TJE/PA, com a redação que lhe deu o Prov. Nº 011/2009 daquele órgão correcional. Cumpra-se na forma e sob as penas da lei.
Cumpram-se os Mandados com MEDIDA DE URGÊNCIA, nos termos do artigo 2º, §1º do Provimento nº 02/2010 – CJRMB.
CITEM-SE E INTIMEM-SE.
Belém, 22 de junho de 2015.
ELDER LISBOA FERREIRA DA COSTA
Juiz de Direito Titular, respondendo pela 2ª Vara de Fazenda da Capital

Fonte: RG 15\O Impacto

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